quarta-feira, 30 de novembro de 2016

(Resenha) A Caldeira dos Desígnios: Erik Nelson, O Apóstolo da Amazônia

Autor: A.J. Cruz

Editora: Menssana
Edição: 1 

Ano: 2016 
Páginas: 536

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Sinopse: 16 de outubro de 1891. Erik Nelson chega da América em Santa Maria de Belém do Grão Pará com o intuito de estabelecer um trabalho missionário no vale Amazônico. Paixão, determinação, espírito aventureiro, fé: chega a Belém solteiro, com 16 dólares no bolso, sem falar a língua portuguesa, sem o patrocínio de nenhuma denominação, sem preparo teológico, numa terra enriquecida pela exorbitante valorização internacional da borracha mas cheia de epidemias letais como a febre amarela, o tifo, a cólera. Paralela à saga de Nelson, o leitor encontrará aventura, amor e desacertos nas vidas de seres dessemelhantes às crenças do apóstolo, como a de um seringueiro fugitivo, uma tribo completamente isolada da civilização, a família de um riquíssimo seringalista, o cônsul americano no Pará e sua esposa. Estes caminhos paralelos se encontrarão oportunamente com o do missionário, que se torna o umbigo de uma teia tecida prodigiosamente.

“Queria ser cristão sem ser católico. Era isso possível? Fora da igreja não há salvação, respondia o universo dogmático do catolicismo. [...] Era Deus mexendo as águas da conspiração na caldeira dos desígnios...”.

ENREDO

Começamos a história em 1939, a partir de seu prólogo, A. J. Cruz caminha entre a década de 1890, culminando nos anos 1900, com o desfecho do século XIX e a chegada do século XX.

Em 1891 é quando Erik Nelson chega ao Pará, ou melhor, Santa Maria de Belém do Grão Pará, como antes era conhecida, mais precisamente na Baia de Guajará. Sozinho, com apenas 16 dólares no bolso e sem saber uma linha do idioma português, o jovem embarca com o objetivo de iniciar um trabalho missionário no vale Amazônico. 

““Nenhum homem tem Deus no fundo de seu quintal.” Sua teologia fora forjada na experiência — e esse era para ele um conceito marcante, ubíquo, existencial — de que nem sempre Deus fazia o que lhe era pedido, que Deus não era um vassalo pronto a atender pedidos de humanos orgulhosos, ambiciosos, desesperados, num estalar de dedos, obediente e serviçal, inteiramente à disposição de sacerdotes e intermediadores.”

Em paralelo ao nosso herói estrangeiro, temos histórias diversas, com núcleos bem diferentes em tempo e espaço que de uma forma ou de outra acabarão se encontrando nessa grande história com raízes brasileiras.

Seja um seringueiro fugitivo, que devido ao seu amor proibido fica a beira da morte. Os ensinamentos e lendas que pairam uma tribo completamente isolada da civilização. Os escândalos de uma família abastada e suas desavenças amorosas envolvendo marido, mulher e filhos. Ou o casal americano que decide largar tudo e viver num país novo. Por aí, vão as muitas histórias da “Caldeira dos Desígnios”.

COMENTÁRIOS

Narrado em 3º pessoa, de forma alinear, por um narrador onisciente e sob diferentes perspectivas, o livro encanta pelas descrições, ambientação das cenas e construção do enredo. Em seu dialeto formal, que remete ao século XIX, o texto agradará leitores com gosto por palavras rebuscadas, que por serem desconhecidas fazem da leitura uma experiência enriquecedora. 

Misturando várias histórias em paralelo, com núcleos, acontecimentos e devaneios de seus personagens, o livro remete a uma telenovela que nos faz querer apreciar cada capítulo.

“Somos todos barcos a navegar, ilustrava Nelson fazendo sua mão parecer um barco navegando. Muitos de nós enfrentamos águas mansas durante a maioria do percurso. Mas todos nós enfrentamos, vez ou outra, tempestades muito fortes. Falou da diferença de um barco navegando sem a presença de Jesus: não havia ninguém para acalmar a tempestade. Sugeriu a rica ideia de que mesmo com Jesus dentro do barco as tempestades aconteciam. A diferença é que Jesus acalma, que Jesus restaura e inaugura um mar novinho em folha.”

Aliado à narrativa, tem-se o contexto histórico da trama. A constante presença de imigrantes durante a leitura tem como plano de fundo a abolição da escravatura no Brasil, 1888, onde há o incentivo à política de imigração estrangeira como substituição à mão-de-obra escrava.

“Vivemos a libertação dos escravos, vimos cair a monarquia, aplaudimos a república, longa história.”

A valorização internacional do país por conta da exportação da borracha é mais um atrativo para imigrantes, contudo, como nem tudo é perfeito, o Brasil vive num cenário de epidemias letais como a febre amarela, o tifo e a cólera. 

Nesse ínterim também acontece a proclamação da República, o que refletirá na liberdade religiosa da população, com foco no protestantismo e a tentativa de criar a primeira Igreja Batista do Pará por Erik Nelson. A partir daí é notável, além do contexto histórico, o cunho religioso do livro.

“Depois, como poderia ser ateu se alimentava essa raiva surda contra um Deus existente, mas ausente, que levara a esposa amada sem compaixão? Como poderia ser ateu se havia dentro dele uma consciência que gerava o temor do confronto inexorável com o Senhor da vida, exatamente na hora última, na hora da morte?”

Em resumo, este é um livro cosmopolita, com características que costumo chamar de minimalistas, onde as cenas se constroem detalhadamente enquanto a engrenagem da história começa a girar. Esse é um tipo de leitura que pode agradar a diferentes públicos e que vale a pena por se tratar de mais um talento nacional que, por sinal, concorre ao prêmio Kindle de Literatura de 2016.

“A glória é diferente do carisma, porque este necessita de gesto e o uso das palavras para se manifestar. Mas a glória brilha e fala por si própria, é bela mesmo na inércia. Ida possuía ambos.”


FAZ LEMBRAR...
A estrutura de “As crônicas de gelo e fogo” e “Os miseráveis”. Descritivo, onipresente, com pausas para contar o que está acontecendo em alhures.


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