Editora: Rocco
Edição: 1
Ano: 2009
Páginas: 180
Publicação Original: 1964
“Este livro é como um livro qualquer.
Mas eu ficaria contente se fosse lido apenas por pessoas de alma já formada...”
Mas eu ficaria contente se fosse lido apenas por pessoas de alma já formada...”
Clarice Lispector
Em sua grande maioria, os romances de Clarice Lispector são de cunho existencial, um monólogo intimista sobre fatos da vida. Sabendo disso, o enredo pode não ser convidativo ao leitor que gosta de histórias com tramas, estratagemas e personagens diversos. A paixão segundo G.H., sobretudo, (dos livros que pude ler até então), é o mais perturbador; falando do tudo e do nada numa cadência peculiar.
Tentarei o impossível: colocar em ordem os acontecimentos desse livro, bem como aquilo que ele quer demonstrar, mesmo que esse conteúdo possa ser apenas um aperitivo de sua matéria-prima.
Tudo começa quando G.H – uma mulher identificada apenas por essas iniciais e que vive numa cobertura – vai fazer uma faxina no quarto de serviço, após despedir sua empregada. Ao entrar no quarto se espanta com tamanha simplicidade na organização. Imaginava que o quarto estaria um muquifo, servindo apenas para abrigar entulhos quando, ao contrário, sua mobília é composta apenas por uma cama e um guarda-roupa.
Essa mudança causa certo desarranjo em G.H., principalmente quando ela enxerga, desenhado a carvão na parede do quarto, um homem, uma mulher e um cão. Como seria possível que em todo aquele tempo alguém que não ela mexesse na configuração de seu apartamento sem o seu conhecimento. Que afronta!
“Mas tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo quero sempre ter a garantia de pelo menos estar pensando que entendo, não sei me entregar à desorientação.” Pág. 11
Sua surpresa estava perto de ser superada. Ao iniciar a limpeza, depara-se com uma barata. Tomada pelo nojo, acaba esmagando o inseto contra a porta do guarda-roupa. Acuada, notando que este se mantém vivo, relata o sentimento de perda da individualidade a partir do momento que afligiu o animal.
Não bastasse esmagar a barata, G.H. decide provar do seu interior branco. Fazendo isso, opera-se uma revelação. O inseto a apanhou em meio a sua rotina "civilizada", entre os filhos, afazeres domésticos e contas a pagar, e a lançou para fora do humano, deixando-a na borda do coração selvagem da vida.
“O que sempre me repugnara em baratas é que elas eram obsoletas e no entanto atuais. Saber que elas já estavam na Terra, e iguais a hoje, antes mesmo que tivessem aparecido os primeiros dinossauros, saber que o primeiro homem surgido já as havia encontrado proliferadas e se arrastando vivas, saber que elas haviam testemunhado a formação das grandes jazidas de petróleo e carvão no mundo, e lá estavam durante o grande avanço e depois durante o grande recuo das geleiras – a resistência pacífica. Eu sabia que baratas resistiam a mais de um mês sem alimento ou água. E que até de madeira faziam substância nutritiva aproveitável. E que, mesmo depois de pisadas, descomprimiam-se lentamente e continuavam a andar. Mesmo congeladas, ao degelarem, prosseguiam na marcha... Há trezentos e cinqüenta milhões de anos elas se repetiam sem se transformarem. Quando o mundo era quase nu elas já o cobriam vagarosas.” Pág. 47
A história se organiza em capítulos sequenciados – cada um começa com a mesma frase que serve de fechamento ao anterior. A interrupção, assim, é elemento de continuidade, numa representação simbólica do que é a experiência de G.H.
Trata-se de um longo monólogo em primeira pessoa (pela primeira vez Clarice escreveria assim), que se dá pelo fluxo de consciência ininterrupto. Sem nome, G.H. identifica-se com todos os seres em sua busca pessoal. Daí advém a teoria de muitos, sugerindo que a sigla refere-se ao Gênero Humano.
Este é um livro atemporal, que poderá sempre dar algo novo ao leitor. O que parece um monólogo é na verdade um diálogo entre a autora e seu leitor, que estará sempre disposto a reler e retirar novas ideais, inspirações e significados desse texto instigador.
“Esse desejo de encontrar o que resta do homem quando a linguagem se esgota move, desde o início, a literatura de Clarice. Mesmo sem ser um livro de inspiração religiosa, G.H. tem, ainda, um aspecto epifânico. Ao degustar a pasta branca que escorre da barata morta, a protagonista comunga com o real e ali o divino - a força impessoal que nos move - se manifesta. E só depois desse ato, que desarruma toda a visão civilizada, G.H. pode enfim se reconstruir.” José Castello
Tentarei o impossível: colocar em ordem os acontecimentos desse livro, bem como aquilo que ele quer demonstrar, mesmo que esse conteúdo possa ser apenas um aperitivo de sua matéria-prima.
Tudo começa quando G.H – uma mulher identificada apenas por essas iniciais e que vive numa cobertura – vai fazer uma faxina no quarto de serviço, após despedir sua empregada. Ao entrar no quarto se espanta com tamanha simplicidade na organização. Imaginava que o quarto estaria um muquifo, servindo apenas para abrigar entulhos quando, ao contrário, sua mobília é composta apenas por uma cama e um guarda-roupa.
Essa mudança causa certo desarranjo em G.H., principalmente quando ela enxerga, desenhado a carvão na parede do quarto, um homem, uma mulher e um cão. Como seria possível que em todo aquele tempo alguém que não ela mexesse na configuração de seu apartamento sem o seu conhecimento. Que afronta!
“Mas tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo quero sempre ter a garantia de pelo menos estar pensando que entendo, não sei me entregar à desorientação.” Pág. 11
Sua surpresa estava perto de ser superada. Ao iniciar a limpeza, depara-se com uma barata. Tomada pelo nojo, acaba esmagando o inseto contra a porta do guarda-roupa. Acuada, notando que este se mantém vivo, relata o sentimento de perda da individualidade a partir do momento que afligiu o animal.
Não bastasse esmagar a barata, G.H. decide provar do seu interior branco. Fazendo isso, opera-se uma revelação. O inseto a apanhou em meio a sua rotina "civilizada", entre os filhos, afazeres domésticos e contas a pagar, e a lançou para fora do humano, deixando-a na borda do coração selvagem da vida.
“O que sempre me repugnara em baratas é que elas eram obsoletas e no entanto atuais. Saber que elas já estavam na Terra, e iguais a hoje, antes mesmo que tivessem aparecido os primeiros dinossauros, saber que o primeiro homem surgido já as havia encontrado proliferadas e se arrastando vivas, saber que elas haviam testemunhado a formação das grandes jazidas de petróleo e carvão no mundo, e lá estavam durante o grande avanço e depois durante o grande recuo das geleiras – a resistência pacífica. Eu sabia que baratas resistiam a mais de um mês sem alimento ou água. E que até de madeira faziam substância nutritiva aproveitável. E que, mesmo depois de pisadas, descomprimiam-se lentamente e continuavam a andar. Mesmo congeladas, ao degelarem, prosseguiam na marcha... Há trezentos e cinqüenta milhões de anos elas se repetiam sem se transformarem. Quando o mundo era quase nu elas já o cobriam vagarosas.” Pág. 47
A história se organiza em capítulos sequenciados – cada um começa com a mesma frase que serve de fechamento ao anterior. A interrupção, assim, é elemento de continuidade, numa representação simbólica do que é a experiência de G.H.
Trata-se de um longo monólogo em primeira pessoa (pela primeira vez Clarice escreveria assim), que se dá pelo fluxo de consciência ininterrupto. Sem nome, G.H. identifica-se com todos os seres em sua busca pessoal. Daí advém a teoria de muitos, sugerindo que a sigla refere-se ao Gênero Humano.
Este é um livro atemporal, que poderá sempre dar algo novo ao leitor. O que parece um monólogo é na verdade um diálogo entre a autora e seu leitor, que estará sempre disposto a reler e retirar novas ideais, inspirações e significados desse texto instigador.
MUITO BOM (Precisa ser relido!) |
“Esse desejo de encontrar o que resta do homem quando a linguagem se esgota move, desde o início, a literatura de Clarice. Mesmo sem ser um livro de inspiração religiosa, G.H. tem, ainda, um aspecto epifânico. Ao degustar a pasta branca que escorre da barata morta, a protagonista comunga com o real e ali o divino - a força impessoal que nos move - se manifesta. E só depois desse ato, que desarruma toda a visão civilizada, G.H. pode enfim se reconstruir.” José Castello
CITAÇÕES
“Mas era como uma pessoa que, tendo nascido cega e não tendo ninguém a seu lado que tivesse tido visão, essa pessoa não pudesse sequer formular uma pergunta sobre a visão: ela não saberia que existia ver. Mas, como na verdade existia a visão, mesmo que essa pessoa em si mesma não a soubesse e nem tivesse ouvido falar, essa pessoa estaria parada, inquieta, atenta, sem saber perguntar sobre o que não sabia que existe - ela sentiria falta do que deveria ser seu.” Pág. 135
“E isso era aterrador, eu sempre tive medo de ser fulminada pela realização, eu sempre havia pensado que a realização é um final – e não contara com a necessidade sempre nascente.” Pág. 173
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