sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Resenha: A Orgia Perpétua - Mario Vargas Llosa

Título original: La orgia perpétua: Flaubert y Madame Bovary


Editora: Francisco Alves 
Edição: 1

Ano: 1979
Páginas: 198

Publicação Original: 1975

Tradução: Piero Angarano
Adicione no Skoob


Vargas Llosa mescla memória e erudição para falar de um autor essencial para a arte do romance: Gustave Flaubert. Llosa não fala apenas "por que Madame Bovary remexeu camadas tão profundas do meu ser, por que me deu o que outras histórias não conseguiram me dar", fala também das circunstâncias em que Flaubert o escreveu, de suas dificuldades para encontrar "a palavra justa" em cada frase, e de suas frequentes discussões e ideias sobre a literatura.

Este é um guia indispensável ao leitor de Madame Bovary (vide a resenha feita aqui no blog), complementando absurdamente as lacunas subjetivas e implícitas que o livro deixa e que, porventura, desagrade o leitor contemporâneo.

Muitas das sutilezas de Flaubert são inevitavelmente vistas ao longo de seu texto. É algo que, ao ser lido, sente-se que nunca antes se entrou em contato. Contudo, as observações de Mario Vargas Llosa são pertinentes pelo seu minucioso olhar de escritor e sua pesquisa e fascinação quanto a essa história. Não é apenas uma opinião pessoal, mas tudo descrito no livro é rigorosamente fundamentado (o material de Flaubert ou de autores estrangeiros citados é descrito no original e traduzido em notas ao final de capa capítulo).

A Orgia Perpétua é dividido em três partes. Na primeira mostra-se a relação do Llosa com a leitura de Madame Bovary e sua personagem Emma, ou seja, uma visão mais parcial. Incluindo sua afinidade com o caráter da personagem e os temas imbuídos na história criada por Flaubert, que para ele são todos pertinentes.

É interessante o fato de inicialmente pensarmos em Emma como uma vilã e em seu marido como mocinho, mas na realidade isso não existe, ela é a criadora da própria história, ela não se resigna a uma situação que lhe foi imposta. E, a pesar da masculinidade atribuída as suas atitudes, isso pode ser visto como o princípio do feminismo.

Llosa falará também do ensaio literário do Jean-Paul Sartre que se dedicou anos a criar uma biografia do Flaubert (O idiota da família) e foi infeliz em seu resultado prolixo em demasia e mesmo assim incompleto.

Em sua segunda parte, de forma objetiva e teórica, ele resume o livro da gestação ao nascimento e as peculiaridades de que “Madame Bovary” é composto. Em forma de entrevista, com perguntas predefinidas, Llosa responde questões sobre o livro e procedimentos da escrita, reações de amigos e da sociedade da época ao entrar em contato pela primeira vez com a obra. Narra desde a vida sexual do autor até sua rotina diária.

O que mais me chamou atenção é o que ele dirá sobre as peripécias da narração flaubertianas. São elas:
  1. Para se mostrar uma passagem de tempo, descreve várias cenas de diferentes momentos na vida daqueles personagens, criando assim um balanço gráfico ideal do decorrer dos dias de forma concisa e estática.
  2. Em poucas linhas do texto também encontramos várias mudas de narrador. Não há a necessidade do parágrafo nem do travessão (como no romance tradicional) para relatar esse episódio. 
  3. O estilo indireto livre foi o primeiro passo para narrar o processo mental do personagem, localizando o leitor no centro de sua subjetividade.

Por fim, na terceira e última parte, faz-se uma comparação com outros romances que influenciaram a escrita de Flaubert e que foram influenciados por ele. O foco está sobretudo no criador da obra-prima. 

Há ainda um tópico muito pertinente chamado “Literatura como participação negativa na vida” onde o Llosa divide a literatura em dois ramos (para o consumo versus experimental ou esotérica), debatendo sobre o profissionalismo do escritor e a fobia de Flaubert em um dia ter seus trabalhos editados por outrem. Ele mesmo queria publicá-los em vida e tampouco queria ver sua liberdade ameaçada por um mecanismo industrial, que começaria a ser comum àquela época. 

EDIÇÃO

Em setembro a editora Alfaguara relança o livro no Brasil, o qual já encontra-se a venda. Além disso, no Estante Virtual é possível encontrar a edição da editora Francisco Alves a bons preços. Fica a dica de mais um livro que vale a pena ter na estante!

POR QUE “A ORGIA PERPÉTUA”?

Porque, segundo Flaubert, “O único meio de suportar a existência é despojar-se na literatura como numa orgia perpétua”. Para ele escrever era tão bom quanto sexo, quiçá até melhor, este sendo apenas uma necessidade biológica, daí provém o título do ensaio crítico e o tema que seria tratado com sutileza no romance.


QUOTES / CITAÇÕES

"Pode-se, talvez, simplificar a crítica, se, antes de exprimirmos uma apreciação, déssemos a conhecer nossos gostos. pois toda obra de arte contém algo particular que diz respeito à pessoa do artista e, independentemente da execução, faz com que a gente fique encantado ou aborrecido. Por isso nossa admiração não é completa senão no tocante às obras que agradam, ao mesmo tempo, a nosso temperamento e nosso espírito. Esquecer esta distinção preliminar é causa relevante de injustiça". Pág. 41 por Flaubert

"Uma alma mede-se pela dimensão de seus desejos, assim como se podem apreciar de antemão as catedrais pela altura de seus campanários". Pág. 43 por Flaubert

"No escritor há um desdobramento constante, que nele coexistem dois homens: o que vive e o que olha o outro viver, o que padece e o que observa esse padecimento para usá-lo". Pág. 70 por Flaubert


ÓTIMO / FAVORITO

Comente com o Facebook:

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...