domingo, 22 de novembro de 2015

Resenha: Demian - Hermann Hesse (Análise e Trechos)

Demian Editora RecordTítulo Original: Demian: Die Geschichte von Emil Sinclairs Jugend

Autor: Hermann Hesse 

Editora: Record 
Edição: 18

Ano: 1974
Páginas: 187

Publicação Original: 1919

Tradução: Ivo Barroso


Sinopse: Emil Sinclair é um jovem atormentado pela falta de respostas às suas questões sobre o mundo. Ao conhecer Max Demian, um colega de classe precoce e carismático, Sinclair se rebela contra as convenções de seu tempo e embarca em uma jornada de descobertas.

ENREDO


Após inventar a primeira mentira que o apresentará ao mundo sombrio, Emil Sinclair fica atormentado pela dualidade do universo; preso entre o mundo ideal (associado aos imaculados ensinamentos da família) e a este outro mundo, externo à residência dos pais, com valores estranhos, onde tudo parece acontecer. 

“A vida de todo ser humano é um caminho em direção a si mesmo, a tentativa de um caminho, o seguir de um simples rastro.” Pág. 20 Sinclair

O livro contará a história de Sinclair, que, ao conhecer Max Demian durante a infância, vê-se em um mundo totalmente diferente daquele pregado por seus pais. A relação entre os dois, como o título sugere, atravessa toda a narrativa. 

É nessa busca incessante, cercada por dicotomia, que Sinclair confrontará suas próprias concepções com o objetivo de encontrar a verdadeira personalidade. Isso, após fases de rebeldia e autoaceitação, o leva a introspecção.

“Pela primeira vez saboreei a morte. Tinha um gosto amargo. Pois a morte é nascimento, é angústia e medo ante uma renovação aterradora.” Pág. 35 Sinclair

Publicado originalmente em 1919, a história se passa antes da 1ª guerra mundial (1914-1918) e narra principalmente os conflitos internos que um indivíduo passa desde a infância, através da adolescência, até sua idade adulta. Assim, Demian trata-se de um romance de formação, tanto para o leitor como o protagonista.

EM POUCAS PALAVRAS, DO QUE FALA “DEMIAN"?

Relata o amadurecimento de um jovem e seus questionamentos acerca da natureza humana, com suas contradições e dualidades.


ANÁLISE 

[Esse tópico contém spoilers sobre a narrativa. É indicado que você leia primeiro o livro e só então retorne a resenha]

Esta obra é uma experiência (Clarice lia Hesse, daí a influência para que escrevesse livros como A paixão segundo G.H., qualquer semelhança entre comer cinzas e o conteúdo de uma barata não é mera coincidência). Embora seja um texto curto, escrito, inclusive, num curto período de tempo, traz grande densidade, subliminaridade e simbolismo. Não digo que pude absorver ou possa relatar cada uma dessas minúcias, porém, aqui estão meus apontamentos sobre o que pude retirar do texto.

Demian. Personagem sempre descrito com um ser etéreo, com certo endeusamento por Sinclair. Há momentos que chega a ser notável uma tensão sexual do nosso narrador para com ele. Este, por sua vez, devido a seu grande carisma e sabedoria, parece estar sempre ao alcance e ao mesmo distante do amigo.

“Vi o rosto de Demian e vi que já não era apenas o rosto de um rapaz, mas o de um homem feito; vi mais ainda: cri ver ou sentir que não era simplesmente o rosto de um homem, mas também algo distinto. Era como se nele houvesse também algo de um rosto de mulher, e além disso, por um momento, aquele rosto não me pareceu mais nem infantil nem viril, maduro ou jovem, mas de certa maneira milenário; de certo modo, alheio ao tempo, selado por idades diversas da que nós vivemos. Os animais conseguiam apresentar um aspecto semelhante, ou as árvores, as estrelas. Eu não sabia bem; não sentia exatamente àquela época o que agora descrevo, mas algo parecido. Tampouco soube a que ponto a figura de Demian me atraía ou me repelia. Só vi que era distinta da nossa, que era como um animal, como um espírito ou como uma gravura; mas o certo é que era diversa, inefavelmente diversa da de todos nós.” Pág.70-71 Sinclair

No decorrer da leitura conseguimos entender que o que Sinclair sempre enxergou no amigo na verdade foi a presença oculta de Eva, mãe de Demian. Uma série de pequenos detalhes sugere uma predestinação para que Sinclair conhecesse Eva - a mulher que entre a adolescência e a fase adulta sempre esteve em seus sonhos.

Dá-se então um amor platônico, novamente partindo dele. Sentimos que Eva e Demian têm uma conexão que faz deles um só, momento no qual o livro alcançará o cunho ora religioso, ora fantástico. Seriam Eva e Demian realmente mãe e filho ou a projeção de um único ser, um guia para Sinclair, além da compreensão lógica, e que se ramifica nessas duas formas de vida?

“— O amor não deve pedir — continuou — nem tampouco exigir. Há de ter a força de chegar em si mesmo à certeza e então passa a atrair em vez de ser atraído.” Pág. 169 Eva

Todos os caminhos levam Sinclair a essa dupla, e à medida que as coisas acontecem, parece que a providência pôs essa singela família na vida do pequeno garoto para que ele pudesse “conhecer o mundo sombrio” e assim chegar a si mesmo, evitando seguir a manada, sendo um ser único, crítico e pensante, que propagará os ensinamentos de Abraxas.

“[...] cada um de nós tem que encontrar por si mesmo o "permitido" e o "proibido" relativamente à sua própria pessoa... o que é proibido a cada um de nós. Podemos deixar de fazer tudo o que for proibido e sermos, a despeito disso, um ressumado patife. E vice-versa. Em suma, tudo não passa de uma questão de comodidade! Aquele que acha mais cômodo não ter que pensar por si mesmo e ser seu próprio juiz acaba por submeter-se às proibições vigentes. Acha isso mais simples. Mas há outros que sentem em si mesmos sua própria lei, e consideram proibidas certas coisas que os homens de bem perpetram a todo instante e permitem outras sobre as quais recai uma geral interdição. Cada qual tem que responder por si mesmo.” Pág.81-82 Demian

ÓTIMO

CITAÇÕES

“Se não passássemos de indivíduos isolados, se cada um de nós pudesse realmente ser varrido por uma bala de fuzil, não haveria sentido algum em relatar histórias. Mas cada homem não é apenas ele mesmo; é também um ponto único, singularíssimo, sempre importante e peculiar, no qual os fenômenos do mundo se cruzam daquela forma uma só vez e nunca mais.” Pág. 20

“[...] quando intentas algo que te é ordenado de dentro do teu próprio ser, acabas por consegui-lo e podes atrelar tua vontade como se fosse um animal de tiro.” Pág. 76 Demian

“Por esses dias, o "acaso", conforme se diz, conduziu-me a um estranho refúgio. Mas o acaso não existe. Quando alguém encontra algo de que verdadeiramente necessita, não é o acaso que tal proporciona, mas a própria pessoa; seu próprio desejo e sua própria necessidade a conduzem a isso.” Pág. 119 Sinclair

“Não creio que se possam considerar homens todos esses bípedes que caminham pelas ruas, simplesmente porque andam eretos ou levem nove meses para vir à luz. Sabes muito bem que muitos deles não passam de peixes ou de ovelhas, vermes ou sanguessugas, formigas ou vespas. Todos eles revelam possibilidades de chegar a ser homens, mas só quando vislumbram e aprendem a levá-las em parte à sua consciência é que se pode dizer que possuem uma...” Pág. 127 Pistórius

“Quando odiamos um homem, odiamos em sua imagem algo que trazemos em nós mesmos. Também o que não está em nós mesmos nos deixa indiferentes.” Pág. 135 Sinclair

“— A comunidade — continuou dizendo — é uma coisa muito bela. Mas o que vemos florescer agora não é a verdadeira comunidade. Essa surgirá, nova, do conhecimento mútuo dos indivíduos e transformará por algum tempo o mundo. O que hoje existe não é comunidade: é simplesmente o rebanho. Os homens se unem porque têm medo uns dos outros e cada um se refugia entre seus iguais: rebanho de patrões, rebanho de operários, rebanho de intelectuais... E por que têm medo? Só se tem medo quando não se está de acordo consigo mesmo. Têm medo porque jamais se atreveram a perseguir seus próprios impulsos interiores. Uma comunidade formada por indivíduos atemorizados com o desconhecido que levam dentro de si.” Pág. 157-158

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